Feito barco

Pela voz do pai 
Sei do susto diluído: 
minha vó está sumindo 
notícia que vem do genro à neta 
porque a mãe não aceita 
deixar de ser filha 
antes da morte da outra, 
luta contra o invisível 
tenta efeito de vingar raiz de tâmara 
que há muito se esqueceu da terra 
quer a mãe de volta 
onde não suporta ser filha 
mãe
tua mãe não volta
mas fica e meu avô teu pai, 
perdoa quando ele grita 
porque não cai na dor completa
tivera a sorte de ombros fortes 
onde sustentar o peso 
da esposa que se vai 
entre a estupidez e o siso
a magreza e o relógio 
que já não conta as horas 
que faltam pro almoço de família
conta que a vida se esvai 
por entre as frestas os rasgos 
das roupas das toalhas de mesa 
a gente preparando a comida 
mais um almoço de domingo 
menos um almoço de família 
entre marido, filha, netos, neta 
minha vó está sumindo 
minha vó está sozinha 
minha mãe 
pega na mão da tua filha 
que a gente atravessa essa dor 
feito barco, 
que sabe que não é sua a força 
da água, do vento 
minha vó é natureza:
some, mas não cessa.

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