A Terra gira em torno do sol, mas a lua gira em torno de nós

Eu vi você beijar meu colo como um talismã e perder a contagem do tempo mergulhado no mar das nossas peles. Eu me sentia dona do teor cíclico da minha fronteira aberta e cuidava a alternância do fluido entre o gozo e a reserva. Eu vi você tocar e percorrer as esquinas pouco óbvias entre os ossos e os músculos, descobrir cócegas e prazeres onde antes era suor e preguiça.

Eu pedi que você entrasse e ficasse em mim como se fosse um quebra-cabeças que enfim se resolve, deixando ver as cores novas de uma imagem antiga, há muito guardada esperando quem lhe desse forma. Porque é sempre o mesmo desejo e nunca o mesmo gozo. Porque há milênios se repetem os mesmos gestos de amor, mas em cada encaixe de amantes é sempre outro amor que nasce.

Eu também firmei pontos de encontro na tua pele, como colcha de ficar no sofá, como cheiro de casa própria e sono enfim tranquilo. Mas também de invasão bem-vinda, mãos aflitas e boca cheia.

A gente inventou nomes que dizem de olhar muito de perto, e descobrir uma cor específica do olho molhado de feliz ou da pele quente da barriga depois de tomar café com leite. A gente inventou sem querer um jeito de superar as discussões em que o desentendimento vira uma forma nova de nós dois agora mutuamente compreendidos. Como yin-yang numa dança circular de você-em-mim-eu-em-você.

Por isso agora, estabelecer o fim do que era nosso dói no meu corpo atravessado ainda pela presença do teu amor, e do meu temor, como se eu interrompesse uma força da natureza. Como se eu fosse uma deusa herege que tem nas mãos o poder de colher o fruto ou de derrubar a floresta. Tanto privilégio nesse amor e nesse entendimento dos fins. Nunca antes o poder de decidir ecoou em tantas dimensões ao redor de mim e especialmente nesse lugar sem fundo de onde eu arranco um tempo que já era nós dois em mim e algo mais. Por alguns minutos achei que ia morrer, e nos morri sobrevivendo. E depois disso vários dias sem força para dizer nada. Flutuando como se não tivesse corpo nem vontade de ter corpo, desaparecido o sentido carne que a gente inventou.

Até que eu vi você de novo. Materializado na minha frente com teu par de olhos densos e úmidos, há vários dias sem que eu notasse, sem que eu pudesse levantar do vício da inércia circular da cama e estabelecer um rumo vertical. Vi você parado, de pé, em carne inteira e entendi que você tinha sobrevivido a nós.

Ainda não sei me revestir da minha própria pele. Ainda não refundei os limites desse universo em-expansão que eu desencadeei por vontade própria e contra a nossa vontade. Só sei que depois de não ver mais nada vi você inteiro, separado de mim, e isso é indício de que em algum lugar devo estar inteira também, atenta e silenciosa, como quem espera o momento de nascer. 

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